Instituto Pensar - Governo Bolsonaro bloqueia 44% do maior fundo de financiamento da Ciência

Governo Bolsonaro bloqueia 44% do maior fundo de financiamento da Ciência

Ao mesmo tempo que corta o orçamento para a Ciência, governo Bolsonaro dificulta universidades públicas de captarem financiamento para pesquisa. Foto: Reprodução

O governo Bolsonaro fez o bloqueio de R$ 1,8 bilhão no orçamento da Ciência, Tecnologia e Inovação, em maio. Em julho, o valor foi para R$ 2,5 bilhões de recursos que não chegaram para a área. O dado de corte em um dos pilares econômicos do país foi reforçado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A entidade destaca que o corte atinge em cheio o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é responsável pela maior parte do dinheiro que é aplicado para o desenvolvimento de pesquisas no nosso país e teve redução de 44%.

No âmbito das áreas estudadas, a falta de recursos fecha a válvula que alimenta projetos e estudos em temas como a Amazônia, em especial aqueles relacionados com a sua preservação e meio de desenvolvimento sustentável.

"O corte em si é ultrajante e coloca em risco todo o sistema de pesquisa científica e tecnológica do País. Mas além disso, revela que a ciência se tornou alvo preferencial do governo Bolsonaro, impondo ao setor uma restrição orçamentária sem paralelo no Poder Executivo. De acordo com os dados divulgados pela equipe econômica, todas as pastas afetadas pelo bloqueio tiveram seus cortes orçamentários reduzidos, transferindo a carga para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação?, diz nota da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Situação piorou com Bolsonaro

A estrutura oferecida a pesquisadores brasileiros, a falta de investimentos e os ataques em relação à ciência vindos do governo de Jair Bolsonaro (PL) e até de grande parte da população tem os levado a deixar o Brasil. Nem mesmo a concessão de financiamentos privados de grande porte a importantes projetos tem sido suficiente para manter os cientistas ligados às instituições brasileiras.

O deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, Professor Israel Batista, estima em ao menos 3 mil pesquisadores deixaram o Brasil desde 2020.

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Em janeiro deste ano, Bolsonaro vetou recursos do Orçamento 2022 para políticas públicas para mulheres, indígenas e quilombolas, e para pesquisas científicas ao sancionar os recursos aprovados pelo Congresso Nacional para este ano. Consolidação de assentamentos rurais e regularização fundiária também sofreram a canetada bolsonarista. Ao todo, foram R$ 3,18 bilhões vetados por ele.

Só a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que teve papel de destaque no enfrentamento à pandemia da covid-19 no país, sofreu corte de 11 milhões. Os recursos seriam destinados para pesquisa e desenvolvimento tecnológico em saúde.

Profissionais desamparados

A questão da estrutura e do financiamento são parte do problema, que é mais grave ainda. Cientistas apontam o descrédito generalizado em relação à ciência que cresce no país como um dos responsáveis pela evasão de profissionais.

O físico Mario Leandro Aolita, nascido na Argentina e professor da UFRJ, tirou licença não remunerada da universidade federal brasileira e está montando seu grupo de pesquisa nos Emirados Árabes. Ele aponta que no Brasil, "não se tem muita valorização do cientista de maneira geral?. 

O pesquisador lembra que o governo Trump, assim como o de Bolsonaro, também queria diminuir os recursos para a pesquisa, mas nos Estados Unidos, ao contrário do que aconteceu aqui, o Congresso impediu os cortes. Isso ocorreu, segundo Aolita, por já existir uma compreensão sobre a importância da Ciência. O físico teórico Rafael Chaves, pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN, concorda. Segundo ele, a ciência tem sido massacrada. 

"Para muita gente, o professor é comunista, parasita, a pesquisa brasileira feita em instituições públicas não vale nada. Achávamos que a pandemia ia melhorar a compreensão sobre o método científico, mas o debate público brasileiro infelizmente é muito pobre.?
Rafael Chaves

Especialistas afirmam que governo burla lei

Especialistas apontam que, por conta de uma lei do ano passado que proíbe o contingenciamento do fundo, essa forma de bloqueio foi uma maneira que o governo encontrou para liberar orçamento abaixo do teto de gastos. Na avaliação da SBPC, o governo burla a lei com uma questão semântica. Em vez de contingenciamento, chama de "bloqueio?. Ao setor, representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação têm dito que o dinheiro será liberado integralmente à medida que as pesquisas precisarem.

? Se não for liberado, esse dinheiro já começa a fazer falta nos próximos meses. O problema é que a credibilidade do governo é muito baixa ? afirma Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ e ex-presidente da Finep ? No ano passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro demorou para sancionar a lei que impedia contingenciamento no fundo e isso fez com que a lei só valesse a partir de 2022. A comunidade científica sentiu que isso foi uma traição e tem todos os motivos para ficar com o pé atrás.

Além disso, outras fontes de financiamento têm sido estranguladas pelo governo Bolsonaro, na avaliação do setor. Outro levantamento do Confies mostra que tem ganhado corpo entre as fundações o interesse em fundos patrimoniais. Criada no Brasil em 2016, essa é uma modalidade muito difundida nos EUA e consiste no recebimento de doações em que apenas o rendimento é utilizado para financiar projetos de pesquisa.

? Nesse modelo, uma fundação ou associação civil faz o papel de recepcionar os recursos doados, gerir com regras caprichadas e aportar por convênio na universidade apoiada. E o doador tem a possibilidade de apontar como ele deve ser utilizado ? afirma Fernando Peregrino, presidente do Confies.

Até agora já foram criados 10 fundos patrimoniais no país, de acordo com a pesquisa do Confies. Além disso, 76% de 50 fundações ouvidas pelo levantamento já iniciaram o processo para criar os seus. No entanto, a falta de incentivos fiscais dificulta a arrecadação. Por isso, na avaliação do estudo, somente 5% dos fundos receberam doação de recursos privados.

? O governo não dá o dinheiro e e não deixa a gente captar. O calculo que se faz é que o ganho é de seis vezes o valor que não foi arrecadado pelo incentivo fiscal ? disse.

Renovação de frota

Além dos bloqueios e das dificuldades de arrecadação em fundos patrimoniais, o setor também tem lutado para manter os recursos que as empresas de exploração e produção de petróleo e gás natural são obrigadas por lei a destinar a pesquisa de desenvolvimento e de inovação. Este ano, com o aumento no preço das commodities, esses recursos são da ordem de R$ 3 bilhões, segundo estimam fontes da comunidade científica.

No entanto, os projetos de pesquisa podem perder R$ 1 bilhão desse dinheiro, só em 2022, que seria encaminhado para um programa federal, instituído por uma medida provisória de Bolsonaro, de renovação de frota de caminhões. A proposta do governo é que esses recursos sejam compartilhados pelo menos até 2027. O Congresso ainda precisa analisar a MP.

? Esse é um dinheiro sagrado que proporcionou o Brasil a explorar petróleo a três mil metros de profundidade e tornar o país autossuficiente na década passada. Não pode ser retirado da área ? protesta Peregrino.

Um levantamento de maio do Observatório do Conhecimento com a Frente Parlamentar Mista da Educação mostrou que os seguidos cortes, desde 2014, no orçamento na Ciência e Tecnologia já tiraram da área quase R$ 100 bilhões até este ano.

Com informações do O Globo



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